The Host - A Criatura/Goemul 1
The Host
괴물
Realizado por Bong Jun-ho
Coreia do Sul, 2006 Cor – 119 min.
Com: Song Kang-ho, Byeon Hui-bong, Park Hae-il, Bae Du-na, Go A-seong, Lee Jae-eung, Lee Dong-ho, Kim Roe-ha, Park No-sik, Go Su-hoe 2
drama horror comédia ficção científica
Poster
Park Hui-bong (Byeon) explora um quiosque numa área recreativa na margem sul do Rio Han, em Seoul, com a ajuda do filho mais velho, Gang-du (Song). Hui-bong tem mais dois filhos: Nam-il (Park Hae-il), desempregado, e Nam-ju (Bae), arqueira de competição. O elemento mais jovem da família é Hyeon-seo (Go), de 14 anos, filha de Gang-du.

Uma criatura mutante desponta do rio, atacando os cidadãos que se encontram no parque, e arrastando consigo Hyeon-seo. Gang-du acredita que a filha ainda está viva e, escapando à quarentena imposta pelas autoridades — que alertam para um vírus altamente contagioso, detectado nos que estiveram próximos da criatura —, a família une-se numa desesperada missão de salvamento e numa corrida contra o tempo.

Depois de ter sido muito bem recebido na Quinzena dos Realizadores em Cannes, exibido em duas sessões esgotadas, «The Host» estreou na Coreia do Sul com um número record de cópias (620) e a arrasar nas bilheteiras. À data da escrita deste texto era de prever que se viesse a tornar o filme sul-coreano mais bem sucedido de sempre, destronando «The King and the Clown» (2005). 4

Conforme seria de esperar do realizador de «Barking Dogs Never Bite» (2000) e «Memories of Murder» (2003), dois títulos de referência do mais recente cinema coreano, «The Host» não é um banal filme de género, ainda que siga algumas regras e convenções — afinal, continua a ser sobre um monstro mutante que se alimenta de humanos.

O modo como se mostra a criatura diverge da generalidade das obras de género, que optariam por obscurecê-la durante boa parte do filme, focando mais os resultados (cadáveres, autópsias, etc.) do que o agente responsável pelas mortes. A súbita investida do monstro, em plena luz do dia, traz consigo uma intensidade difícil de replicar nos casos em que o terror é doseado, obedecendo a “regras” de escrita de guiões.

A normalidade de um dia de ócio junto ao rio é quebrada quando uma criatura mutante, determinada a diversificar a sua dieta, investe sobre a multidão. Gang-du (Song Kang-ho) tenta proteger a filha, Hyeon-seo (Go A-seong).
Nam-ju (Bae Du-na) à procura da sobrinha. Parte da acção de «The Host» decorre nos esgotos de Seul e ninguém tem tempo para tomar um duche.
Outra peculiaridade é um avanço da narrativa que não procura finais grandiosos, difíceis de contornar em obras de grande orçamento. Vamos escusar-nos de entrar em descrições pormenorizadas, como é natural, mas digamos que a criatura não sobe, qual King Kong, ao topo do 63 Building (o edifício mais alto de Seul), apesar de andar lá por perto, nem entra pelo maior centro comercial do mundo adentro, no dia da sua inauguração.

Bong Jun-ho coloca o foco na família Park e nas suas relações internas. As personagens são convincentes e nunca se nos aferem como escritas para suportar os actos da criatura voraz. O drama resulta e a audiência comove-se, por vezes (também registei o testemunho de alguém que tinha pena do monstro — que, coitado, tal como nós, come para viver — mas diria que se trata de uma excepção).

Há humor que raia a paródia, como na peça noticiosa em que a entrevistada é filmada por debaixo da mesa (para ser mantida no anonimato), ou nos momentos de pânico que se geram na rua quando se teme o contágio pelo vírus. Tal como nos seus filmes anteriores, Bong lida com notável eficiência com a mistura dos vários registos: acção, terror, drama, comédia.

A personagem de Song Kang-ho é outra face desta convivência de registos: é um sujeito lento, distraído, adormece onde calha; um tolo e um embaraço aos olhos dos irmãos, com o pai sempre a tentar desculpá-lo. Provoca gargalhadas na audiência, mesmo quando tem de enfrentar a criatura que levou aquilo que tinha de mais precioso — a filha.

O subtexto político foi desvalorizado pelo realizador que o remete para um mero ingrediente do género. É verdade que não é raro que mesmo filmes americanos culpem o governo ou os militares pela criação de mutações ou de zombies, mas a crítica ao “colonialismo” dos EUA não deixa de se registar em «The Host». Acresce que a cena de abertura foi inspirada num caso real em que um funcionário da morgue de uma base militar americana ordenou o despejo de químicos no Rio Han. 3

Os efeitos especiais digitais foram produzidos por The Orphanage (São Francisco, EUA) e EON Digital Films (Seul, Coreia). A Weta Workshop (Nova Zelândia) foi contactada inicialmente para lidar com o grosso do CGI, mas as negociações não chegariam a bom termo, por falta de concordância no que toca ao orçamento final. A companhia é ainda creditada no filme com a construção da maquette da criatura. A Creature Workshop de John Cox (Austrália) esteve encarregue da componente de animatrónica. Os restantes efeitos visuais e de maquilhagem foram criados na Coreia, pelos estúdios Future Vision e Cell.

Os efeitos especiais são muito eficientes e bem conseguidos, ainda que alguns planos, sobretudo na parte final, sejam menos satisfatórios. No entanto, a tensão e, por vezes, o terror produzem quase sempre os resultados pretendidos, algo que não é fácil quando se integra imagem digital com actores. Um dos trunfos é, certamente, o design do monstro (de Jang Hui-cheol) — que Bong pretendeu mais realista do que “espectacular” —, aliado ao talento de um dos mais notáveis realizadores coreanos.

Família feliz? Park Hae-il, Bae Du-na, Go A-seong, Song Kang-ho e Byeon Hui-bong.
Pode ser já um cliché dizer que «The Host» é mais o drama de uma família do que um “filme de monstros”, mas tal não deixa de ser verdade e é um dos seus êxitos; é a luta de uma família para se manter unida depois do ataque inesperado de uma criatura mutante e não um blockbuster com um monstro de apetite insaciável perseguindo personagens reduzidas a acompanhamentos.

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1 As romanizações do título abundam, mas as regras oficiais dizem que o ditongo ㅚ (ô + i) deve ser registado “oe”.

2 Oh Dal-su, conhecido actor secundário de filmes como «Oldboy» ou «Bittersweet Life», é creditado com a “voz” do monstro. A importância do casting parece a mesma da escolha de George Clooney para dar voz a um cão homossexual num dos primeiros episódios de “South Park”.

3 A edição online de The Hankyoreh publicava uma peça em 3 de Agosto de 2006, referindo que organizações ambientais estavam a usar «The Host» para dar voz aos seus protestos.

O jornal refere o caso de Albert McFarland, trabalhador (civil) na morgue de uma base militar norte-americana, que ordenou o despejo de formaldeído no Rio Han em 2000, vindo a ser acusado mas libertado sob fiança. Organizações ambientalistas acusam os militares americanos de persistirem em não resolver problemas de poluição por eles causados, mesmo depois do caso referido ser tornado publico.

O artigo referia ainda a “preocupação” do Ministro do Ambiente coreano com o filme.

4 O record seria batido ao 38º dia de exibição, no início de Setembro, com o filme ainda em 280 ecrãs.

Cine Cube, Seul. DVD coreano (KD Media, R3) lançado em Janeiro de 2007, em edição especial de 3 discos e gift set, edição limitada (3 DVDs + CD com BSO e storyboard). Legendas apenas para o filme, como é usual nas edições coreanas. A primeira edição no Ocidente estava prevista para o Reino Unido, para o início de Março de 2007.

publicado online em 7/8/06

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