Chaos
カオス (kaosu)
Realizado por Nakata Hideo
Japão, 1999 Cor – 90 min.
Com: Nakatani Miki, Masato Hagiwara, Mitsuishi Ken, Kunimura Jun
drama crime thriller
inlay DVD
Um casal almoça calmamente num restaurante francês de Tóquio. À saída, enquanto ele (Mitsuishi) paga, a mulher (Nakatani) sai para a rua. Minutos depois, ele segue-a, mas como ela não se encontra no exterior do restaurante à sua espera, ele decide caminhar, de regresso ao trabalho. Mais tarde, no escritório, recebe uma chamada telefónica; do outro lado da linha, uma voz masculina afirma ter raptado a sua mulher e exige um resgate. Komiyama decide chamar a polícia.

Nota: Dada a natureza do filme, as referências ao seu desenvolvimento narrativo são abordadas de modo particularmente vago.

Nakata Hideo é um cineasta que poderá ter o nome no Guinness Book por praticamente todos os seus filmes terem remakes em preparação nos EUA. Os seus filmes são construções rigorosas, a nível narrativo, que, com grande economia e contenção, conseguem envolver o espectador e transmitir a angústia e um sofrimento interior das suas personagens, que não precisa (não pode?) ser expresso através de diálogos. «Chaos» foi produzido entre as suas duas obras máximas do cinema de horror, «Ring» (1998) e «Honogurai Mizo no Soko Kara» [Dark Water] (2001), mas não se insere no mesmo registo nem, sequer, no mesmo género. Trata-se antes de um filme de suspense, como raramente se fazem hoje em dia, centrado numa história ramificada, que se vai complicando, gradualmente, com o recurso a diversos flashbacks, até que todas as peças se encaixam, guardando algum tempo, antes do final, para permitir dar um rumo às suas personagens, resultado de um jogo perigoso e sem escapatória possível.

Um filme que certamente seria apreciado por Sir Alfred, «Chaos» poderia ser dissecado numa série de "twists", algo que, por vezes, redunda num aborrecido artificialismo. Mas, como em tudo na vida, há naturalidade e há mão pesada. Se alguns de nós poderão ser alérgicos a qualquer "surpresa" num guião, colocando de parte tudo o que David Mamet escreveu ou virá a escrever, outros deixar-se-ão levar por construções que sugerem um genuíno prazer pelas descobertas dos factos passados ou das intenções das personagens. Sendo certo que Mamet é capaz de escrever um texto a olhar para o próprio umbigo («Heist»), também é capaz de elaborar guiões credíveis, que não nos fazem perder o interesse até ao final («House of Games», «Homicide»), mesmo quando escreve comédia («State and Main») ou drama («Glenngarry Glen Ross»), fora do género pelo qual é mais célebre (o... “twister”?).

«Chaos» está mais próximo de Hitchcock do que de Mamet, porquanto não assenta em personagens muito perspicazes, loquazes ou espertinhas, mas em pessoas "normais", que, colocadas numa situação que escapa ao seu controle, procuram uma solução eficiente. A elevada elaboração do plano não se nos afere como algo muito "denso" só porque é "cool" fazê-lo, nem nunca nos parece "muito giro" o modo como Nakata constrói a revelação dos factos e o desenvolvimento das relações entre as personagens; aqui não há "gimmicks". Na sua essência, «Chaos» poderia ser um thriller desenrolado por ordem cronológica. A história continuaria a suscitar-nos interesse; permaneceria a eficaz escrita do argumento e o convincente trabalho dos actores. A estrutura quebrada não surge tanto como método de potenciar surpresas, mas como forma de apresentar um gradual desenvolvimento interior dos peões que se movimentam no tabuleiro – em particular Saori –, pois só assim sentimos de facto a sua dor, já no segmento derradeiro, finalizadas as explicações e os saltos cronológicos. O flashback permite também uma revisitação para melhor situar o estado da sua psique.

Se, nos seus filmes de horror atmosférico, Nakata pontua uma construção dramática com alguns momentos fortes ("choque", chamemos-lhe assim), em «Chaos» esse factor está excluído, pelo menos com a mesma intensidade e sensação de ponto final, presente nessas obras. Mas, tal como esses títulos, também «Chaos» é um drama que se reveste com os trajes de um género mais "marketizável", com remoção dos elementos narrativos que normalmente apresentariam o percurso das personagens. A história de Saori, podemos apenas intui-la. No meio do thriller, é-nos contada pouco a pouco, quase a temos de vislumbrar por entre frinchas de portas prestes a encerrarem-se, persistindo o desejo de sabermos mais – mas Nakata não nos faz tal concessão, deixando-nos entretidos com a vertente thriller de mistério. Esta opção reduz em grande medida a "melodramatização". Há uma névoa de melancolia e tristeza no ar, que o espectador não processa integralmente, um sofrimento que não nos é atirado à cara, mas que se intui.

Se, por um lado, ficaremos sempre expectantes por mais uma obra de horror de Nakata Hideo, também não podemos deixar de imaginar como é que o realizador abordaria um drama "puro", sem a interferência de mecanismos de género ou um filme romântico, algo pelo que o próprio já demonstrou interesse. Ou, porque não?, um musical.

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Disponível em DVD sul-coreano (Spectrum, R3), imagem anamórfica, som Dolby 2.0. Inclui um pequeno apontamento de making-of, legendado em coreano. A qualidade geral é boa e, em todo o caso, não há presentemente outra opção para adquirir o filme, que não passe por uma cópia japonesa inflacionada.

publicado online em 9/03

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