Sukiyaki Western Django
スキヤキ・ウエスタン ジャンゴ (sukiyaki・uesutan ziyango)
Sukiyaki Western ジャンゴ
Realizado por Miike Takashi
Japão, 2007 Cor – 121 min. 2.35:1.
Com: Ito Hideaki, Sato Koichi, Iseya Yusuke, Ando Masanobu, Ishibashi Takaaki, Kimura Yoshino, Kagawa Teruyuki, Sakai Masato, Oguri Shin, Quentin Tarantino, Momoi Kaori
comédia western acção
Sukyiaki Western Dango - Momoi Kaori
Várias centenas de anos depois da Batalha de Dannoura (1185), numa remota aldeia japonesa nas montanhas, a tensão cresce à medida que o gang de branco dos Genji (clã Minamoto), liderado por Yoshitsune (Yseya), e o gang de vermelho dos Heike (clã Taira), liderado por Kiyomori (Sato), se confrontam brutalmente, na sequência de rumores sobre ouro escondido.

Quando um viajante sem nome (Ito), suportando o fardo de um passado negro, mas possuindo notável perícia com as armas, chega à aldeia, tanto os Genji como os Heike especulam a qual dos lados ele se juntará. Lutas de poder, traição, luxúria e amor entrelaçam-se, humedecendo o solo com sangue, enquanto a histórica Guerra Taira-Minamoto prossegue na paisagem desolada do western macaroni. [Adaptado da sinopse do distribuidor.] 1

Miike Takashi adiciona mais uma entrada à sua longa filmografia de 60 e tal títulos, agora com um western, inspirado nas produções italianas dos anos 60, maxime as assinadas por Sergio Leone e Sergio Corbucci. Corbucci dirigiu «Django» (1966), filme que, como é natural, inspirou o título desta verdadeira obra de fusão, mas a estrutura narrativa essencial deriva de Kurosawa Akira via Sergio Leone. «Sukiyaki Western Django» é, assim, mais um fechar de círculo de influências recíprocas Ocidente-Oriente: de «Yojimbo» (1961) para «A Fistfull of Dollars» (1964) para «Sukiyaki».

Há muitos outros ingrediente na caçarola de sukiyaki de Miike, e não é a primeira vez que o western inspira filmes japoneses, mas a narrativa essencial, de um forasteiro/pistoleiro/samurai que chega a uma cidade e interfere num conflito entre duas facções, tem a sua génese no filme de Kurosawa, acima citado, tendo transitando para o de Leone, que naqueloutro se inspirou.

Sukiyaki Western Django
No cinema de Miike, em todo o caso, o texto não é o mais importante ou algo que condicione o resultado final. É a visão do realizador e o seu processo de adaptação de guiões de terceiros – no caso, de Nakamura Masaru, que antes escreveu «Dororo» (2007), de Shiota Akihiko, e «Big Bang Love» (2006), além de outros de Miike –, que virá a determinar o maior ou menor sucesso do filme. Miike pegou num texto que apelidou de “muito literário”, conformou-o às condições do set e adicionou as suas ideias.

O realizador nipónico é conhecido pelo seu estilo espampanante, mas também por não perder tempo, utilizando a inspiração do momento e a intuição para seguir em frente – muito distante dos “autores” cujo método de trabalho resulta numa equipa em stand-by durante meses, à espera de decisões. «Sukiyaki Western», será a sua primeira obra em scope (era obrigatório), mas também aquela que levou ao grande ecrã com o orçamento mais confortável.

Com o dinheiro da Sony Pictures Entertainment (Japão), Miike dirigiu o seu filme mais estimulante visualmente, sem prescindir da “crueza” que o caracteriza, para o que contribui continuar a trabalhar com o mesmo núcleo-base de colaboradores, de onde poderíamos destacar o design de produção (Sasaki Takashi) e o guarda-roupa (Kitamura Michiko). A fotografia é de Kurita Toyomichi, cuja lente esteve ao serviço do realizador pela primeira vez com “Masters of Horror: Imprint”. Tanto a fotografia como o design de produção foram premiados em Sitges, onde o filme foi visionado e fortemente ovacionado 2. O festival não atribui prémio de Melhor Guarda-Roupa.

Sukiyaki Western Django
Os críticos que seguem mais de perto a carreira de Miike sentem o peso da derivação dos seus trejeitos e gags. Mark Schilling fala mesmo numa Síndroma de Tarantino 3, na medida em que o realizador confecciona “entretenimento de elevado orçamento, mascarado de filme de culto tresloucado”.

Eu já tinha comentado a “incongruência” de uma situação em que Tarantino faz “filmes de culto” para audiências que os vêem porque “Tarantino é cool”, mas que prefeririam manter-se a milhas dos filmes que o realizador cita (e respeita); perante as obras originais que constituem a matéria-prima do “cool”, rir-se-iam (delas, não com elas) ou menosprezavam-nas a título de “prazeres culposos”.

Não concordo com Schilling quando diz que foi "um erro de cálculo" rodar o filme em inglês. Apesar de ter começado por esperar o pior quando o filme estava em produção, o efeito do elenco a falar em “inglês quebrado” não é, quanto a mim, o mesmo que senti em “Imprint”. Aqui, o gozo é assumido, com personagens a recitarem o inglês clássico de Shakespeare, e a legendagem em inglês na cópia reforça esse tom. Acresce que a opção é coerente com a história: os westerns spaghetti eram, também eles, rodados em inglês para o mercado internacional. Tarantino não se faz rogado e dá o seu melhor num inglês, claro, macarrónico. Miike comenta (provavelmente com pouca seriedade) que “seria interessante se os nativos de inglês pensassem que [o inglês dos japoneses do filme] é cool e começassem a imitá-lo.

Sukiyaki Western Django
O humor slapstick é servido em doses generosas, começando, no prólogo – em cores berrantes e cenários teatrais –, com Piringo (Tarantino) a discorrer sobre como fazer um bom sukiyaki e a recitar poesia (“o som dos sinos do Templo de Gion Shoja ecoa a impermanência de todas as coisas”).

A acção tem os seus momentos imaginativos (como uma flecha que trespassa um corpo pelo buraco da bala que a precedeu), e torna-se intensa no final, com uma participação feminina essencial, a contribuir para a sangria há muito anunciada. Há ainda espaço para o drama (ou uma espécie de drama), em redor da personagem da jovem viúva Shizuka (Kimura), cujo marido foi morto pelos Heike.

«Sukiyaki Western Django» poderia ser um pouco mais curto, mas não permite aborrecimentos. Ou, por outro lado, se o espectador não se irritar nos primeiros cinco minutos dificilmente sairá desiludido. Nunca se sabe o que esperar de um filme de Miike e ainda que este possa ser um dos seus mais “previsíveis”, dada a linha narrativa familiar, não deixa de ser coerente, sem sabor a cliché. Obra de fusão Este-Oeste, western-samurai, espalhafatoso, é certo, mas também lindo de se ver num grande ecrã. Não são poucos os que saem da sala a cantar o tema título. Na-na-na-na Django! Na-na-na... 4

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1 No Japão, os westerns spaghetti são conhecidos como “western macaroni”.

2 Miike é deus em Sitges, acho que já o tinha dito algures, e creio que o CTLX usa a mesma frase numa das suas reportagens sobre o festival. Se o nome de Miike surge no ecrã, a plateia enlouquece em aplausos. No caso, os créditos não foram legendados, o nome do realizador surgiu apenas em japonês, por isso o início foi mais silencioso.

3 In Japan Times. A expressão é minha, no entanto.

4 Quem souber japonês, claro, não cantarolará na-na-na, mas japonês a sério.

Sitges 2007 (SO Fantàstic, Melhor Fotografia e Design de Produção).

publicado online em 30/10/07

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