Suk Saan Chuen/Legend of Zu
v. Miramax censurada e dobrada: Os Guerreiros da Montanha/Zu Warriors
蜀山傳 (shŭ shān chuán)
Realizado por Tsui Hark
Hong Kong, 2001 Cor – 104 min. Anamórfico.
Com: Ekin Cheng Yee-kin, Cecilia Cheung Pak-chi, Louis Koo Tin-lok, Patrick Tam Yiu-man, Kelly Lin Hsi-lei, Jackie Wu Jin, Sammo Hung Kam-bo, Zhang Ziyi
wuxia artes-marciais
DVD HK
Há muitas lendas nas montanhas de Zu, em Sichuan, na China. Uma destas fala de imortais, detentores de poderes sobrenaturais. Voam nas suas espadas. Perseguem o vento e as estrelas. Afinam as suas mentes e corpos, em busca de verdades eternas do universo, para que Homem e a Natureza possam ser unos. Durante milhares de anos, nas montanhas de Zu, as Forças do Bem e as Forças do Mal nunca viveram em paz. [Introdução do distribuidor]

Uma criatura maligna chamada Insónia prepara-se para aniquilar todos os clãs estabelecidos nas montanhas de Zu. O líder de Omei, Whitebrows (Hung) organiza a resistência contra as forças do mal. Depois de Red (Koo), Hollow (Tam) e Dawn (Cheung) são os dois mais poderosos guerreiros do clã, dominando duas armas místicas – A Espada do Céu e a Espada do Trovão – mas, para o seu poder se maximizar, devem fundir-se, algo que pode ter consequências fatais para um ou para ambos. King Sky (Cheng) é o único guerreiro de um clã, que leva o princípio Yin Yang até à última consequência: só pode haver um pupilo e um mestre, masculino e feminino. Enigma (Cheung), a mestre de King Sky, desapareceu há 200 anos atrás, aquando do regresso de Insónia. Dawn é a sua reincarnação, mas não possui as memórias ou sentimentos dela.

«Legend of Zu» é uma sequela, ou talvez um remake, do filme de Tsui Hark de 1981, «Suk Saan San Suk Saan Gim Hap/Zu Warriors from the Magic Mountain», com Yuen Biao, Adam Cheng e Lin Ching-hsia. Antes de se iniciar a produção, chegou-se a noticiar na imprensa a possibilidade de Lin voltar ao cinema – retirou-se da indústria em 94, depois de «Chungking Express» – com uma participação no filme de Tsui, mas tal não se veio a verificar. O realizador poderia ter pensado em Lin para o papel de Enigma, ao invés de usar Cecilia Cheung duas vezes, estabelecendo assim uma diferença nas idades e maturidade das personagens (e há algo mais para o final que reforça esse conceito).

Koo
Red (Koo Tin-lok).
O filme original recorria a toda uma panóplia de efeitos ópticos inovadores em Hong Kong, com recurso a alguns dos técnicos que haviam trabalhado na «Guerra das Estrelas» (1977), de George Lucas. Essa tecnologia, sobretudo de mistura de imagem, era usada com efeitos mais ou menos satisfatórios, conjuntamente com os métodos mais tradicionais de "wirework". «The Legend of Zu», por sua vez, usa um volume fora do comum de imagens geradas por computador (CGI), não só para poder ilustrar as capacidades dos vários guerreiros, mas para a própria construção do mundo mítico onde a acção se desenrola. Esta diferença técnica, desde logo confere um aspecto radicalmente diferente aos dois filmes; o primeiro não pode deixar de se mostrar um pouco datado (e, ao contrário de Lucas e de Spielberg, não parece que Tsui esteja interessado em edições especiais revisionistas), tanto quanto este último padecerá um pouco de um certo artificialismo, presente mesmo nas maiores produções que assentam demasiado em efeitos digitais.

Capa DVD
Um dos múltiplos combates CGI de «Zu».
Para o público asiático, o tratamento visual e a utilização de CGI por parte de Tsui Hark, pode ser apenas um modo actual de ilustrar o universo da literatura wuxia, mas, por cá, mais facilmente o associaríamos à banda desenhada e à ficção científica, particularmente devido à representação das criaturas malignas, mais ou menos abstractas, ausentes dos filmes de género mais populares. Apesar do que acima foi dito, o artificialismo digital não é chocante em «Legend of Zu», apesar de constituir uma verdadeira overdose para muitas pessoas. Estamos num universo fantástico, onde somos imersos logo no início do filme, pelo que não há qualquer problema de falta de coerência com o "real", como em, por exemplo, «Homem-Aranha» ou «Blade 2». E quanto à questão da "overdose", é notório que a residência dos imortais dificilmente poderia ser representada de outra forma, eventualmente com miniaturas e truques ópticos, mas que, nos dias que correm, talvez parecessem menos naturais do que a criação integral em CGI. Não me parece ser de questionar que os efeitos digitais – e todo o filme acaba por ser um grande efeito digital – estejam ao serviço do guião, mas, por outro lado, também é notório que Tsui, um entusiasta da experimentação formal, está mais preocupado com a execução técnica e com a utilização de um brinquedo novo, do que propriamente com a direcção de actores.

Capa DVD
Dawn (Cheung Pak-chi) liberta energia colorida.
«Legend of Zu» é uma obra visualmente atractiva e tecnicamente bem executada. Não é recomendável a quem queira ver um filme de acção puro, pois os conflitos são resolvidos sobretudo pela emissão de fluxos energéticos (de cores variadas; os de Dawn com florzinhas muito bonitas). Quem prefirir algo mais tradicional poderá ficar decepcionado com a curta extensão do confronto entre Jackie Wu King e Zhang Ziyi, que começa muito bem, mas que se revela extremamente curto. Talvez tenha sido um momento que Yuen Woo-ping, o coordenador de artes marciais, aproveitou enquanto Tsui estava distraído, junto aos computadores.

Tal como em «Time and Tide», do mesmo ano, Tsui optou por compactar o filme num formato bem mais curto do que a natural exposição do material sugeriria. Ao contrário de «Time and Tide», «Legend of Zu» não beneficiou substancialmente deste método, decorrente talvez da crença de que a duração do filme poderia prejudicá-lo nas bilheteiras. A sensação que fica é estarmos perante a versão curta de um filme de 150 ou 180 minutos. Há muitas personagens, muitas movimentações, acontece muita coisa e muito rapidamente. Inevitavelmente, as personagens não passam de outro ingrediente, como os cenários e os efeitos digitais. A personagem de Zhang Ziyi, em particular, é mal aproveitada. Não por se tratar de uma nova estrela, que poderia ajudar a promover o filme, mas porque ficamos a sentir a falta de mais contacto com o mundo dos mortais: vemos duas cenas que falam de guerras entre clãs, mas só vemos a sua consequência ou ouvimos falar dos factos. O mesmo se pode dizer da relação entre a mortal e o imortal e a passagem (breve) de um e de outro por um meio diferente do seu. Isto é, os problemas com a "artificialidade" do filme de Tsui não se prendem tanto com os efeitos digitais, os quais não entram em conflito com a realidade da atmosfera de fantasia, mas mais com a falta de desenvolvimento de personagens e a compactação narrativa que sugere uma manta de retalhos.

Zu
«Legend of Zu» persiste um filme aprazível para todos apreciadores de fantasia, com ou sem artes marciais, talvez funcionando melhor ao segundo ou terceiro visionamento.

3

Disponível em DVD de Hong Kong (China Star, R0), de excelente qualidade (widescreen anamórfico, som DTS), com o único defeito das legendas desaparecerem por alguns segundos. A Miramax confeccionou uma versão própria, cortando substancialmente um filme já com falta de exposição narrativa. Como é seu apanágio, essa versão é apenas dobrada em inglês, sem opções de acesso à versão original.

publicado online em 1/12/02

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