Lupin III: Cagliostro no Shiro [Lupin The Third: The Castle of Cagliostro]
The Castle of Cagliostro
ルパン三世/カリオストロの城
Realizado por Miyazaki Hayao
Japão, 1979 Cor – 109 min.
Com as vozes de: Yamada Yasuo, Masuyama Eiko, Kobayashi Kiyoshi, Inoue Makio, Naya Gorô, Shimamoto Sumi, Ishida Taro, Miyauchi Kohei, Nagai Ichiro
crime comédia aventura anime animação
Poster
Depois de um assalto bem sucedido ao Casino do Mónaco, Lupin III (Yamada) e Jigen (Kobayashi), apercebem-se que têm um carro cheio de notas falsas. As falsificações são de excelente qualidade, “melhores” que as originais, e levam os honrados patifes ao ducado de Cagliostro, algures na Europa. O país, anteriormente governado pelos grão-duques, é agora regido pelo Conde Cagliostro (Ishida), que planeia casar com a herdeira do trono, a jovem Clarisse (Shimamoto), mesmo que ela não esteja plenamente convencida. Ao mesmo tempo que procuram a fonte das notas falsificadas, Lupin e Jigen tentam salvar Clarisse das garras do Conde. Contarão com a ajuda do samurai Goemon (Inoue), e, eventualmente, com a aventureira Fujiko (Masuyama), mas terão também de enfrentar o inspector Zenigata (Naya), que fez da captura de Lupin a sua razão de viver.

Lupin III é descendente do famoso Arséne Lupin, criado por Maurice LeBlanc, mas o seu autor é o mangaka Monkey Punch, o qual retém direitos de sobre o filme, o sonho de qualquer espoliado artista americano (ou português). Por razões ligados aos direitos sobre a personagem de LeBlanc, Lupin III assumiu nos EUA nomes diversos, como a romanização “Rupin” ou a adaptação do termo francês para “Wolf”, mas continua a ser mais conhecido por Lupin. De acordo com Helen McCarthy [1], a personagem surgiu ainda como Vidocq em França e Cliff Hanger (!), noutro território europeu. Personagem popular no Japão, devido à manga de Monkey Punch, Lupin III teve direito a uma série de televisão, iniciada em 1971. A primeira série (1971-72) teve 23 episódios, sendo a maioria realizada ou co-realizada por Miyazaki e Takahata Isao. A segunda série (1977-1980) durou 155 (!) episódios, dos quais Miyazaki realizou apenas dois [2].

Acção pouco preocupada com as leis da física.

Dado o seu envolvimento prévio com a personagem, seria natural que Miyazaki viesse a ser escolhido para realizar «Lupin III: Cagliostro no Shiro». Sendo o seu primeiro trabalho como realizador de uma obra cinematográfica e tratando-se de material e de personagens definidas, movendo-se numa realidade pré-estabelecida, é natural que esta seja a sua obra menos pessoal, mas não deixam de estar presentes algumas das suas marcas registadas, como as máquinas voadoras, concebidas ao pormenor, e aqui a remeterem para a série clássica “Mirai Shonen Conan” (“Conan, O Rapaz do Futuro”), de 1978. Também estamos perante a primeira “mulher de Miyazaki” – Clarisse (no cinema, note-se). As personagens femininas na obra de Miyazaki são normalmente mulheres fortes e determinadas, mas aqui e em «Tenshi no Shiro no Laputa», estamos mais próximos da “tradicional” dama-em-perigo. A Clarisse de «Cagliostro» tem, aliás, muitas semelhanças com a Sheeta de «Laputa»: ambas têm sangue aristocrata, são órfãs, herdeiras de um reino e detentoras da chave para tesouros inimagináveis – cobiçados pelos vilãos – e simbolizados em duas jóias: o anel em «Cagliostro» e a pedra da levitação em «Laputa».

Para além das histórias de Arséne Lupin, o ladrão cavalheiro que está sempre um passo à frente da polícia, «Castle of Cagliostro» reflecte influências muito diversificadas, estando a mais notória nos filmes de James Bond, com toda a proliferação de “gadgets”, característicos do espião britânico. O estilo das aventuras de Lupin, em busca de mistérios perdidos no tempo, por entre puzzles, portas secretas, alavancas, armadilhas subaquáticas, etc., seria uma característica forte do cinema de aventuras realizado e produzido por Stephen Spielberg nos anos 80, nomeadamente a partir de «Os Salteadores da Arca Perdida/Raiders of the Lost Ark» (1981), não sendo difícil de imaginar aí uma forte influência da obra aqui em análise, algo que aqueles que automaticamente carimbam de obra-prima todos os filmes de Spielberg poderão ter alguma dificuldade em admitir - pois, afinal, aqui estamos perante meros “desenhos animados” - mas que o próprio terá reconhecido, sendo tal inclusive referido no verso do DVD da Manga Video.

«Lupin III: The Castle of Cagliostro» não é uma obra-prima, nem pode ser confrontado com a generalidade da obra posterior de Miyazaki, mas constitui um bom entretenimento e um divertido e eficaz filme de acção e aventuras (animado ou não).É caracterizado pela acção splapstick que muitos de nós ainda se recordam da série “Conan”, também patente grandemente em «Laputa» e, de forma mais refinada, em alguns momentos de «Porco Rosso» (1992). Os heróis e os vilões e o papel da personagem feminina central, ajustam-se aos contornos do cinema clássico de aventuras, bem como, em certa medida, a mulher-de-armas Fujiko, algo de que o realizador se iria afastar ao longo da sua obra, enveredando por uma narrativa mais preocupada com conflitos internos, do que com estruturas clássicas de confronto entre Bem e Mal.

Sendo notoriamente muito “anos 70”, a nível visual, de animação e, claro, de música e efeitos sonoros – que talvez seja aquilo que se nos afere mais datado - «Lupin III» mantém-se capaz de cumprir a função para a qual foi concebido: entretenimento. Não obstante, a narrativa contém considerável desenvolvimento e está recheada de situações e pormenores que sustêm o interesse do espectador, com a grande vantagem de estarmos perante um filme japonês, onde o material não é tratado diferentemente só porque se trata de animação, com uma duração mais próxima das duas horas, do que dos 70 ou 80 minutos a que estamos habituados com os “desenhos animados”, forçosamente ligeiros e infantis que saem regularmente de Hollywood.

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[1] “Hayao Miyazaki Master of Japanese Animation”, Stone Bridge Press, ISBN 1-880656-41-8

[2] Pela altura da escrita deste texto, a série “Lupin III” era emitida na RTP2, a altas horas da noite, dobrada em português, e na SIC Radical, na versão original japonesa.

Distribuído em DVD pela Manga Films em vários territórios. A edição dos EUA está codificada para as Regiões 1, 2 e 4, sendo natural que o conteúdo seja idêntico na Europa e na Austrália. Transferência algo ultrapassada (4:3 letterbox, isto é, não optimizado para televisores 16:9, para mais obrigando que a imagem seja ligeiramente subida em modo “zoom”, pois a linha inferior de legendagem está meio fora do enquadramento), mas aceitável, e som Dolby 2.0 (aparentemente mono dual) relativamente nítido, mas com algum ruído a partir de certo nível de volume. Arranca por omissão com a dobragem em inglês e os créditos finais são apenas os americanos que ainda que mantenham, aparentemente, a totalidade da equipa técnica original, não incluem o elenco de vozes japonês.

publicado online em 4/03/03

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