2LDK 1
Realizado por Tsutsumi Yukihiko
Japão, 2002 Cor – 70 min.
Com: Nonami Maho, Koike Eiko
comédia acção
Capa DVD
Duas jovens actrizes partilham um espaçoso apartamento em Tóquio, arrendado pela agência a que pertencem. No dia anterior participaram ambas numa audição para seleccionar a protagonista para um novo filme chamado «Yakuza Wifes». A actriz escolhida será uma delas. Matsumoto Nozomi (Koike), oriunda de uma família modesta, cresceu na Ilha de Sado (na costa Oeste do Japão). Tachibana Rana (Nonami), mais velha, é uma rapariga da cidade e de um estrato social elevado, se julgássemos apenas pelas roupas e acessórios que ostenta.

A tensão começa a aumentar à medida que as diferenças se acentuam, agravando-se pelo forte desejo de conquistar o papel. Das discussões depressa se passa aos confrontos físicos, e daí à utilização de quaisquer utensílios letais que estejam à disposição no apartamento.

«2LDK» nasceu de uma conversa entre os realizadores Tsutsumi Yukihiko e Kitamura Ryuhei, durante a primeira edição do Cineasia Film Festival (2001), em Colónia, na Alemanha, dedicada exclusivamente ao cinema nipónico. Tsutsumi estava no festival para mostrar «Keisoku» e Kitamura «Versus» (ambos produzidos em 2000) e da conversa, num bar, nasceu a ideia de um projecto que seria um duelo cinematográfico duplo: um filme em competição contra o outro, mas os próprios filmes seriam sobre duas personagens em combate extremo. 2

O desafio passava também por limitações de orçamento e cénicas: cada filme deveria centrar-se em dois actores ou actrizes e ser rodado num único cenário ao longo de uma semana. Tsutsumi avançou com «2LDK», um duelo entre duas mulheres jovens e terá sugerido a Kitamura que fizesse um filme com dois velhos, mas este não achou o negócio equilibrado e acabou por optar por uma luta entre samurais longe da idade da reforma, que conduziria a «Aragami». 3

Koike Eiko e Nonami Maho
Nozomi (Koike Eiko, à esquerda) e Rana (Nonami Maho).
Apesar de não duvidar que a natureza do projecto sugira uma sessão dupla, não se perderá nada em ver um filme ou o outro isoladamente. Nos EUA, «2LDK» ficou nas mãos da TLA e o filme de Kitamura foi comprado pela Media Blasters. Desconheço se algum festival se lembrou de programar uma sessão dupla, mas em Sitges programou-se apenas «Aragami». A Tartan, no entanto, viria a editar o pack “Duel Project” no Reino Unido, com as duas obras (algo que havia sucedido também no Japão).

«2LDK» começa como comédia ligeira, com base na coabitação de duas jovens de origens sociais diversas e com personalidades opostas. As duas sentam-se à mesa, ao final do dia, e conversam casualmente. Mas o que uma realmente pensa sobre a outra está escondido por detrás dos sorrisos e da educação. À conversa casual e deferência social contrapõem-se os pensamentos em off. Se não se odeiam, pelo menos desprezam aquilo que a outra representa.

Antes de chegarmos a vias de facto, assistimos a duas mulheres a serem naturalmente (?) umas “cabras” uma para a outra. Desprezo, inveja, golpes traiçoeiros. O que se segue mantém-se no campo do humor, com reações exageradas e violência no limiar do cartoonesco. Isto porque em mais do que uma situação nos perguntamos se Rana ou Nozomi sobreviveriam aos golpes que lhes são infligidos. Em todo o caso, as jovens ficam num estado cada vez mais lastimável, e a eficiente caracterização reflecte a violência que vão exercendo uma sobre a outra.

Nonami Maho, motosserra
Nonami Maho e Koike Eiko em duelo
Não estamos, portanto, num plano puramente realista, mas Tsutsumi não permite que o efeito comédia leve a que se ignorem todos os limites. O filme não deixa de se levar a sério, constituindo, em parte, um estudo sobre o choque entre personalidades femininas opostas, e o que pode suceder se nenhuma das partes conceder derrota. Podemos também falar num comentário sobre a elevada competição pelo sucesso no mundo moderno (principalmente no Japão/na indústria cinematográfica/entre o sexo feminino/etc.), que nos leva a querer destruir os nossos oponentes. No caso, literalmente.

Com apenas um cenário e duas actrizes 4, não é fácil manter o interesse do espectador durante uma longa-metragem. No entanto, Tsutsumi, também autor do argumento, consegue um bom equilíbrio. A duração é moderada (70 minutos) e o filme está bem estruturado e ritmado; depois de uma fase em que se apresentam as personagens e conhecemos as suas peculiaridades através de situações e diálogos humorados, a tensão não pára de crescer. De uma “simples” briga de raparigas (uns estalos ou o atirar de objectos inaptos para causar grandes danos), a violência torna-se cada vez mais forte, e de um correctivo passa-se para a intenção de eliminar fisicamente a oponente.

Além do ritmo eficiente, outros pontos fortes são a a fotografia e a direcção. A imagem é do colaborador habitual de Tsutsumi, Karazawa Satoru, que parece recorrer aqui apenas a luz natural. O uso intenso de grandes angulares abarca as fronteiras do espaço onde as duas jovens se degladiam. Os quadros são compostos de forma estéticamente apelativa e original. Alguns planos parecem excertos de planos mais abertos, sendo intercalados de forma algo desconcertante, com a sequência do que parecem ser duas metades do mesmo plano. 5

Rotulado no DVD como “action”, além de ter feito parte da selecção Action Asia do Hawaii Film Festival, «2LDK» usa também linguagem do terror, com as raparigas a assumirem o papel de ameaça e vítimas, em alternância. Nesses momentos, a câmara, a música e a montagem, parecem ao serviço de um filme de terror. Adicionam-se as visões de um trauma do passado de Nozomi, com uma banheira ensanguentada onde jaz um cadáver. A certa altura, não nos surpreenderíamos se o “fantasma” se erguesse e a perseguisse pela casa, mas o filme está focado no confronto entre as duas jovens. 6

Koike Eiko e Nonami Maho em stand-off
Apesar dos excessos, as personagens estão bem definidas e as actrizes estão à altura. De acordo com o making of, ambas foram vítimas de febres altas durante a rodagem, o que poderá ter contribuido para o realismo da histeria ou para o ar alucinado que vemos nos seus rostos.

As personagens sólidas reforçam a força de um final onde chegamos importando-nos com o destino delas, apesar do percurso sinuoso pelo meio do absurdo e da comédia. A resolução, não sendo “surpreendente” ou “inesperada”, lembra-nos que não estamos perante um filme comercial de Hollywood. Haveriam saídas muito mais fáceis.

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1 O título reflecte uma terminologia de acrónimos utilizada no Japão para classificar apartamentos: 2 bedrooms, living room, dining room & kitchen. Em português bastaria T2.

2 Algumas fontes (incluindo a IMDb) dizem que o projecto foi um desafio do produtor Kawai Shinya, após ter trabalhado com os dois realizadores no projecto colectivo «JAM Films» (2002), mas tal seria menos plausível cronológicamente, além de que os próprios realizadores descrevem a génese do Projecto Duelo nos registos vídeo disponíveis no DVD.

3 O filme não foi comentado por aqui, mas mereceu um parágrafo (por Hugo F. Gomes), a propósito do Festival de Sitges, edição 2003.

4 Na verdade, há uma terceira actriz, dando corpo ao trauma de Nozomi.

5 Pode fazer lembrar uma técnica de formatação de filmes scope em 4:3, onde se alterna uma imagem da esquerda com outra da direita, por forma a acompanhar os diálogos das personagens. Aqui, no entanto, a montagem e a peculiar composição fazem parte do ritmo do filme.

6 Daí encontrarmos algumas referências ao filme em sites dedicados ao cinema de horror.

DVD R1 (TLA Releasing) com imagem anamórfica e som Dolby 2.0 (o formato sonoro de cinema é DTS Stereo). O filme é apresentado numa cópia com legendas impressas (pelo menos são brancas e não amarelas). As legendas nos extras também não são removíveis. Os extras incluem: Making of Featurette (18'10), Special Footage of Duel Project Press Conference (24'57), 2LDK Original Trailer (não legendado). O DVD tem ainda trailers de outros lançamentos da TLA da colecção International Film Festival: «Moon Child», «Box 507», «9 Dead Gay Guys» e «Godforsaken». Apesar da legendagem não deixar de soar natural, os clips apresentados no making of parecem ter uma tradução menos adaptada e mais literal.

A capa do DVD inclui texto em japonês sob o nome do realizador ("デラックス版"), o que poderia sugerir tratar-se do seu nome na língua nativa ou o título original do filme (que é apenas “2LDK”; a diferença no “original” será apenas a pronúncia do número). Mas ao reconhecer ali o caracter chinês de “versão” ou “edição”, a nossa habitual picuinhice motivou uma breve pesquisa que permitiu concluir que o que está escrito é “edição deluxe”. Não será exactamente o caso, já que se trata de uma edição de um único disco numa caixa de plástico Amaray banalíssima. Provavelmente copy/paste do grafismo de uma edição japonesa.

publicado online em 25/12/07

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